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quarta-feira, 21 de março de 2012

Bases para a reorganização do ensino profissional de jovens

[Artigo congeminado pelo Professor Ramiro Marques e por mim para o ProfBlog. Haverá gralhas, mas o tempo não estica.]




Nota prévia


A reforma do ensino profissional de jovens tem de ser gradualista, apostar no aumento da qualidade e do rigor e aprofundar a ligação às empresas. Há-de ter o contributo das escolas secundárias, públicas e privadas, e das empresas e associações empresariais.

Essa articulação deve fazer-se pela partilha de conhecimentos, recursos e equipamentos. As escolas fornecem os recursos humanos para assegurarem o ensino da literacia, numeracia, inglês e informática. As empresas oferecem o ambiente de trabalho, o contexto onde se faz o estágio e se ensina a dimensão tecnológica do currículo. É também a empresa, através de um centro de aprendizagem de preferência, que oferece o currículo informal centrado na aquisição das virtudes que potenciam a realização profissional e a integração no mercado de trabalho: empreendedorismo, resiliência, pontualidade, assiduidade, respeito pelas chefias e gosto pelo trabalho bem feito.

A reorganização deve fazer-se criando incentivos para as escolas e cursos com elevada empregabilidade, rigor e exigência. O apoio financeiro deve seguir os alunos. As escolas e as empresas devem ser estimuladas a concorrer entre si para atrair os alunos. As escolas e cursos com baixa empregabilidade e pouco rigor e exigência devem perder os financiamentos.

As nossas empresas são coisas muito frágeis, geralmente ligadas a clientes frágeis ou, se sólidos, ligadas por corrupção, em particular no caso do estado.

Há experiências interessantes, por exemplo, com alunos noturnos (excelentes) da Auto Europa mas, regra geral, as empresas pautam-se pela regra do mínimo indispensável. O sistema de formação profissional em uso na Auto Europa merece estudo para futura generalização.

Neste momento, as empresas estão todas com a corda na garganta. Só aceitam estagiários se cada formando levar atrás de si algum apoio financeiro. A criação de uma rede de centros de aprendizagem localizados em empresas depende muito do envelope financeiro agarrado ao formando. Mas o montante do envelope financeiro deve depender da empregabilidade dos formandos. Maior para as escolas e centros de aprendizagem com formandos que, no final do processo de aprendizagem, conseguirem ocupar um posto de trabalho; menor para os que não conseguirem.


A importância do Inglês

Começamos por chamar a atenção que muitos professores ligados a áreas tecnológicas não são capazes de ler um manual técnico em inglês. O problema básico é o vocabulário não técnico (o inglês corrente).

Os formadores com mais de 50 anos de idade andaram na escola no tempo em que o francês era dominante e o inglês coisa secundária. Não poucas vezes os vemos com livros franceses debaixo do braço. Os mais novos nem francês nem inglês.

Todos sabemos que o mundo da tecnologia é dominado pelo inglês e quando precisamos desembrulhar um problema numa aplicação qualquer a única hipótese viável é participar nos forae em inglês deixando perguntas, trocando notas e impressões e usando a gramática do software tal como ela se nos depara: em inglês.

O inglês (a falta dele) é uma barreira gigantesca para o técnico português.

Nos Estados Unidos tem-se a 'mania' de pespegar com tudo na Internet. Não há assunto que não seja lá discutido e bem discutido. As universidades publicam programas inteiros (vídeo) sobre todas as matérias. Todos os assuntos são publicados e escalpelizados na internet com conhecimento de causa.

O português resume-se a Portugal, aos PALOPS e o Brasil. Portugal está, a esse respeito, no tempo da pedra lascada, nos PALOPS não há nem pedra quanto mais lascada e no Brasil ... é o caos. O Brasil tem muita coisa de tecnologia na Internet, mas a asneira campeia. Nada é fiável.

Se o técnico português não romper proficientemente a barreira do inglês não conseguirá sair da cepa torta. Será sempre o último a saber e só saberá quando essa informação estiver caduca. Já agora, e os professores também.

Se os formandos não aprenderem Inglês de pouco lhes serve a ferramenta da Internet. É por isso que qualquer programa de formação, quer para jovens quer para adultos, deve incluir uma forte presença de Inglês.

Algumas empresas cientes da dificuldade em encontrar trabalhadores que prestem pagam cursos de largas centenas de horas para que os formandos aprendam alguma coisa. Mas costuma ser um desastre. Aprender dá trabalho, é uma chatice, estão de corpo presente e alma distante. O resultado médio é duvidoso (havendo casos bons e mesmo muito bons). Habitualmente fazem com os alunos um contrato de permanência ao serviço (quem investe pretende retorno) ... mas os jovens, caso se vejam com o canudo, abandalham militantemente o trabalho.

Nas empresas médias a coisa é mais interessante. Os trabalhadores têm mais interesse e flexibilidade. Tal não significa que aprendam como deviam mas é melhor que nas grandes.

Nas pequenas predomina a empresa familiar que, por vezes tem também funcionários. É talvez o caso em que há mais variação entre gente muito boa e muito má. Por exemplo, neste grupo, encontram-se engenheiros que sabem, trabalham com máquinas e orientam o resto da família e funcionários. São casos muito interessantes.

Nas empresas pequenas, há ainda gente que começou a trabalhar com a maquinaria mas que a abandonou para se remeter à "gestão". É a empresa que tem uns quantos trabalhadores a trabalhar sem vínculo significativo que convém, por vezes, às duas partes.

É nesta confusão de contextos que se tenta encontrar empresas para os jovens estagiarem. Em geral aquelas onde há gente mais competente não aceitam estes jovens (não estão para os aturar ou asseguram-se previamente que o estagiário se parece como tal).

Entretanto, em estágio, há de tudo: bom e mau. Alguns faltam porque não estão habituados ao esforço.

Outros ficam com problemas "psicológicos" quando em obra lhes mandam um berro. Outros perdem todos os dias o autocarro porque não "conseguem" acordar (por atalhos ficamos a saber que vão diariamente para a farra). Outros perdem o passe que, às vezes, custa uma fortuna. Outros perdem o capacete e as botas e queixam-se que os não deixam entrar na obra. O estágio vai correndo, mas todos os dias os telefones tocam e as cenas são múltiplas.

Depois de tudo isto o que se aprende? Para os alunos adultos, os que aturam os jovens, pouco. Os jovens, praticamente nada.


Articular escola com as empresas

Onde fazer o ensino profissional de jovens? Na escola? Em algumas, não em todas. Apenas nas que têm recursos humanos e equipamentos adequados. Uma forte ligação ao tecido empresarial local ajuda. Na empresa e associações empresariais? Sim, sobretudo nas empresas que estejam dispostas a criar centros de aprendizagem para jovens. E o currículo? Faz sentido oferecer um currículo com duas componentes formais: geral e vocacional. Na primeira, a oferta deve centrar-se no inglês, literacia e numeracia. Na segunda, a oferta deve centrar-se na aprendizagem das tecnologias. O centro de aprendizagem de empresa deve oferecer um currículo informal que enfatize valores como a pontualidade, assiduidade, resiliência, respeito pela hierarquia e gosto pelo trabalho bem feito. E, claro, o estágio.


A dimensão informal da aprendizagem em empresa

Há uma dimensão do currículo que não se deve negligenciar. Essa dimensão é informal, depende da cultura do centro de aprendizagem, e inclui os valores básicos necessários a uma vida profissional bem conseguida: pontualidade, assiduidade, respeito pela hierarquia, gosto pelo trabalho bem feito e resiliência.

Em algumas escolas públicas, dificilmente é possível assegurar a presença dessa dimensão. Os cursos de educação e formação e os cursos profissionais estão, muitas vezes, contaminados por uma cultura de desresponsabilização que é hostil à aquisição de valores básicos. É por isso também que defendemos a criação de centros de aprendizagem em empresas, em associações empresariais e nas escolas que tenham um ethos e uma cultura favoráveis à articulação com as empresas locais e, claro, recursos humanos e materiais adequados.

Obviamente, esses centros de aprendizagem podem e devem estabelecer parcerias com escolas secundárias que assegurem a oferta da dimensão curricular geral: matemática, português e inglês.

Há cursos profissionais que funcionam bem. Esses devem ser acarinhados. Não defendemos a eliminação pura e simples de todos os cursos profissionais. Os bons devem manter-se. Sobretudo os que funcionam em escolas profissionais com uma boa articulação às empresas e com ofertas formativas para nichos de mercado com saída: indústria, hotelaria, turismo, agricultura e pescas. Os cursos que não têm qualidade devem ser eliminados e os recursos financeiros aplicados neles transferidos para centros de aprendizagem com uma estreita articulação com as empresas e associações empresariais.

É fácil identificar os cursos com qualidade: basta ver as taxas de empregabilidade.

Em ambientes sem ordem nem tranquilidade, os alunos não adquirem as virtudes consideradas imprescindíveis para a entrada no mercado de trabalho: pontualidade, assiduidade, respeito pela autoridade e resiliência. Ao invés, aprendem a ser erráticos, caprichosos, desobedientes, malcriados, arrogantes e indolentes.

Há escolas que não são o local certo para fazer ensino profissional de jovens que acumulam insucesso atrás de insucesso e que não têm hábitos de trabalho nem respeitam os padrões mínimos de civilidade. Os alunos viciam-se numa cultura de direitos, centrada na gratificação imediata, e não dão valor nem à escola nem aos professores. Não são capazes de traçar a fronteira entre o lúdico e o trabalho, entre a brincadeira e o esforço. Tudo lhes é dado - pequeno-almoço, almoço, livros e transportes - sem lhes ser exigido nada em troca.

Os diretores habituaram-se à ideia de que a criação de cursos profissionais, Cef e Efa, ainda que não haja na escola equipamentos e recursos humanos adequados, é uma exigência que resulta das políticas educativas inclusivas. O objetivo é tirar os jovens da rua. A avaliação externa, tal como hoje é feita, reforça essa exigência.

As escolas secundárias públicas foram empurradas, entre 2006 e 2010, para criarem cursos profissionais com o objetivo de permitir ao Governo o cumprimento de metas estatísticas. Criaram-se cursos a eito sem atender à cultura e características das escolas nem às necessidades do mercado de trabalho. Deu-se demasiada ênfase à oferta de cursos para o setor terciário em desfavor da agricultura, indústria e pescas.

As empresas querem profissionais que gostem de aprender, que saibam cumprir regras, respeitem a hierarquia, sejam pontuais, sejam assíduos e resilientes. As escolas onde os cursos profissionais são ministrados ensinam, em alguns casos, o contrário de tudo isto.

Obviamente, as empresas só estarão dispostas a alinhar na reconstrução de um ensino profissional deste tipo se ganharem alguma coisa com isso. O valor do envelope financeiro deve ser proporcional à taxa de empregabilidade conseguida.


Pouco rigor e tecido empresarial fraco

O panorama do ensino (chamemos-lhe genericamente) de oportunidade é de filme de horror com cenas dantescas provocadas pela aguda perda de soberania económica que Portugal enfrenta e de que é principal responsável (independentemente de pormenores de índole política).

O horror é composto pela insistência em políticas de sucessivo abaixamento de fasquia baseadas em disparatadas e aberrantes visões do mundo. De tudo isto o ensino regular também padece embora em menor grau, apesar de preocupante (é aliás do ensino regular que os alunos que procuram a via profissional brotam sem a real preparação que a documentação atesta).

Favorece-se a progressão dos alunos sempre alimentada numa infundada esperança de que as criaturas posteriormente recuperarão o tempo e as matérias perdidas. Esta política não passa, porém, de um premiar da incompetência. Alavancada no “sucesso anterior”, será insistentemente mais e mais exercitada levando os alunos a um beco constituído pela impossibilidade de perceber matérias para as quais não estão nem preparados nem a milhas de estarem. Esta política pretende ainda estar na vanguarda, pasme-se, de um Portugal de mão-de-obra qualificada, resguardado do trabalho mal pago, repetitivo e monótono, jamais se encarando o treino de alunos em habilidades básicas não carentes de preparação teórica. Não fica por aqui como mais tarde se verá.

No que respeita aos agentes directamente envolvidos no processo, temos as empresas, os estabelecimentos do ensino regular e os centros de formação profissional (estatais e privados).

As empresas que temos são as que nos restam num sistema que só vê nelas uma fonte de impostos. Os melhores empresários foram-se afastando (saindo do país ou remetendo-se a uma qualquer atividade que lhes permita sobreviver sem dores de cabeça) e ficando apenas os que se adaptam ao sistema.

Tendo em atenção que historicamente o tecido empresarial português é composto por minúsculas empresas, o empresário que conhece bem aquilo que faz vê a vida dificultada por uma imensidão de imposições burocráticas que o levam ou a afastar-se da exata coisa pela qual se interessa ou a sobrecarregar a minúscula empresa contratando quem o liberte do fardo pelo qual terá sempre e invariavelmente que responder e ser derradeiro responsável. Neste padrão surge, por um lado, a economia paralela, por outro o crony capitalism. Uma e outro espalham suficiente mau ambiente para tornar estes os dois tipos de entidades crescentemente dominantes, afugentando empresários pouco dados a truques.

A generalidade das subsistentes empresas opera hoje em modo de sobrevivência. Faz o que pode, aceita fazer o que sobra, aceita sobreviver. Os trabalhadores, perante o espetro do desemprego, aceitam fazer o que resta para fazer.

Os estabelecimentos de ensino regular são dominados por docentes que desconfiam das empresas vendo nelas uma coisa tenebrosa que “apenas” procura o lucro. Tendem a militar num mundo alternativo que evite que os alunos possam pretender ter uma profissão concreta numa qualquer empresa, sempre insistindo em caminhos tangenciais a um mal definido enriquecimento do aluno “enquanto cidadão”, pasme-se, para ficarem “fora do jugo da exploração”.

Os centros de formação encontram-se a meio caminho entre um ensino avesso a empresas e as empresas maioritariamente geridas por empresários cada vez mais especialistas em adaptação a todo o tipo de interceção subversiva ao aparelho do estado ou, alternativamente, vivendo à revelia de … tudo.

A formação profissional por via direta do estado tem a maioria dos tiques do ensino regular porque a maioria dos docentes são dali oriundos (mesmo que pouco claramente). A formação profissional privada é um pouco mais ligada aos problemas e ao interior das empresas muito embora com as limitações decorrentes, embora atenuadas, do ensino profissional estatal e do presente estado de coisas nas próprias empresas.


Rigor e exigência

É voz corrente que quem chega ao ensino profissional chega já com determinado grau académico que não corresponde, nem de longe, à realidade. Este aspecto tem que ser resolvido ou, pelo menos, começar a ser resolvido porque nenhuma decisão poderá ser aplicada racionalmente sem que os factos de que o aluno é portador correspondam ao certificado que lhe foi passado.

Supondo que numa fase inicial há que dar destino a alunos que irremediavelmente se apresentam com um grau académico deturpado não parece haver outra solução que aplicar a estes alunos exames apropriados que confiram um razoável grau de confiança de ponto de partida. Chame-se a esse exame o que se quiser, mas não vale a pena tentar ensinar trigonometria a quem não sabe o que é uma régua ou porque começa a respectiva escala em 0 e não em 1 (para não falar num ângulo). Esses alunos devem ser colocados em pontos de partida de percurso de ensino profissional por forma potenciar-se a possibilidade de se ensinar a partir daí.

Naturalmente que, paralelamente, há que perguntar como se consegue ter o 9º ano (ou qualquer outro) sem saber ler ou escrever, ou nunca mais sairemos deste torpor em que se tenta ensinar quem não tem bases para o que se pretende ensinar.

Aparentemente há um fenómeno do campo da falácia que explica a razão porque são encaminhados alunos que quase nada sabem para os mais avançados percursos. Há umas múltiplas entrevistas em variadas instituições de “seleção” que apuram os alunos que mais vêm ao encontro do que se espera ouvir: “esforço”, “disciplina”, “método”, “assiduidade”, “educação” ... palavras soltas que os alunos bem conhecem e sabem usar como forma de afagar o coração da outra parte que, entretanto, acha razoável remeter quem “demonstra tanta vontade” a caminho sofisticado que “ele, coitado, merece”. Para o aluno é fundamental entrar para o mais impossível caminho porque sabe que aquele erro inicial vai, direta ou indiretamente, dificultar em extremo a sua reprovação. Para quem o seleciona, uma espécie de paz celestial parece instalar-se no coração de quem se autoconvence que, finalmente, vai permitir “justiça” à vida de um aluno cuja vida fora da escola se assemelha às cenas do filme Gangues de Nova Iorque.

Nada do anteriormente dito tem qualquer relação prática positiva para quem quer que seja. Os professores ficam com turmas afogadas em ignorantes, os ignorantes ficam afogados em matéria que nunca perceberão sem repetirem o ensino 3 ou 4 anos atrás (e daí para a frente), o estado eterniza encargos múltiplos e acaba caindo na necessidade de sustentar uma qualquer “estatística” supondo que “sendo assim este ano, para o próximo já se resolve”.


Irresponsabilidade e desperdício

As turmas de ensino profissional são turmas bizarras no que respeita à relação aluno professor porque alunos cuja idade anda pelos 18 anos não só se comportam como catraios como tratam o professor por “stor”. O habitual, no ensino profissional de adultos, é que os alunos (rebatizados de “formandos”) tratem o professor por aquilo que ele é: professor. Por vezes, tratam por engenheiro, etc, mas dificilmente por doutor. A verdade é que de adultos, este tipo de alunos têm apenas o corpo. O restante desenvolvimento ficou entalado no passado por entre políticas de eterna criancice.

Na sala de aula sentam-se ou em postura passiva ou em postura ativa mas, neste caso, com a missão de estabelecerem a hierarquia do gang local. Estabelecida essa hierarquia, nunca mais qualquer dos restantes alunos tentará sobressair sem a douta autorização e supervisão do chefe de claque. É notória a instabilidade que se instala quando o “chefe” e os mais próximos vassalos faltam a uma aula. Todos começam a olhar em todas as direções, como que perdidos, enquanto vão assumindo um protagonismo potencialmente positivo embora quase sempre e infelizmente inútil. Se o “chefe” desaparecer de vez (for preso, por exemplo), recomeça a luta pelo estabelecimento de uma nova hierarquia ...

A tudo isto o sistema de ensino assiste impávida e serenamente como se espetador fosse do filme Gangs de Nova Iorque. Não poucas vezes se ouviu de quem de direito (!) que são “formas informais de inter-relacionamento” e que a escola “deve negociar” (implicitamente pactuando) com semelhantes e sinistras instituições e figurões para que seja possível que algo se ensine.

Chama-se a isto pactuar com aquilo que na vida real e numa empresa será liminarmente escorraçado pelos próprios operários que já lá trabalham. Os “chefes” do gangue ver-se-ão cuspidos sem sequer perceberem porquê. Os restantes, por incompetência-militante irão parar, quanto muito, ao pátio onde se lavam os carros da empresa. “Ninguém está para aturar semelhante fauna” – ouve-se com frequência. Com o passar do tempo talvez venham a fazer algo de mais-valia, mas o pouco que em formação aprenderam já terá sido quase completamente esquecido.

Na sala de aula há dois tipos de pessoas: os que ensinam e os que têm que aprender, e há que afirmar, alto e bom som, que a parte mais complicada está do lado de quem aprende. Por muito trabalho a que o professor se dê, não são questões de dificuldade relativamente à matéria que o atormentam mas trabalho de repetição, de correcção, de procura de explicação alternativa, etc, que o carregam. A dificuldade relativamente à matéria está do lado do aluno.

Quando às dificuldades com que o professor se depara nada têm a ver com o ensino mas com a falta de pontualidade, falta de cadernos, livros, canetas, réguas, etc, falta de educação, uso e abuso do telemóvel, conversa da treta entre colegas e a todo o momento, apartes firmadoras de capacidade de achincalhar e de escavacar um qualquer raciocínio, etc. tudo o que parece relacionar-se com uma tal “nova forma de estar na sala de aula”.

Todos estes desvios têm sido mais ou menos viabilizados porque se deixam entrar os problemas pessoais na sala de aula. Percebe-se que muitos dos alunos têm uma vida complicada mas não se pode também deixar de perceber que a aceitação dessas dificuldades na sala de aula não só não resolve qualquer problema como potencia mirabolantes histórias que cada vez mais vão tolhendo o normal decorrer das aulas. Não sendo possível evitar, por variadas razões, que problemas pessoais entrem no centro de formação, deve ser cultivada uma barreira para que na sala de aula não entrem e em especial em reuniões de avaliação. Uma coisa é providenciarem-se aos alunos os meios para que eles cumpram a sua missão, outra coisa é propiciar-lhes ferramentas (truques) para que passem ao lado dela.

O aluno tem uma missão a cumprir e essa missão deve ser cumprida sob pena de reprovação. Nenhuma das floribélias razões que possam atenuar o cumprimento da missão serão jamais aceites na vida ativa e se tentadas usar serão encaradas como “uma desculpa qualquer”.

O ensino de coisa profissional recebe alunos (formandos) que por um lado trazem um currículo cheio de escolhos e por outro vão encontrar aulas (novidade) de eminente prática.

Salvo casos (poucos) em que não haja praticamente formação teórica para determinada matéria, o aluno só deve entrar em oficina depois de estar bem ciente que terá que cumprir a regulamentação de segurança (incluindo saber da impossibilidade de deambular ou ‘bater papos’) e ter bastante bem assimilada a teoria aplicável. Não é fundamental que a tenha na posta da língua mas deve ter presente, digamos, 50%. Isto trás, por arrasto, a necessidade de encontrar, a qualquer momento de determinado percurso de formação, caminhos alternativos a que o aluno se consiga adaptar, digamos, upgrades ou downgrades de percurso em função do desempenho de cada aluno. É fundamental que ele saiba que essa hipótese está permanentemente em cima da mesa porque sem coação não há persuasão. É sabido que esta máxima vai ao arrepio de quase toda a “pedagogia” reinante, mas sendo a formação profissional a derradeira antecâmara da profissão convém que o aluno esteja ciente que a coação é também a derradeira chamada de atenção porque, no mundo empresarial, a coação é mínima e o despedimento surpreende ao virar a esquina. Contrariamente ao afirmado pela “pedagogia” em social-porreirismo, a maior ameaça a um estagiário (aspirante a um posto de trabalho mais estável) vem dos colegas e surge no momento em que eles se apercebem que o estagiário poderá pôr em causa toda a equipe e, consequentemente, o trabalho de cada um. Raramente é a entidade patronal quem directamente resolve por em causa o trabalho de um estagiário. Estabelecido um estado de coisas mais ou menos inquinadas, e para evitar que cada qual veja o seu posto de trabalho em risco e com ele a alimentação dos filhos, o habitual é que o estagiário se veja fora da carroça a pedido implícito ou explícito dos colegas e perante quem de direito.

A formação profissional não pode ser o continuar do status quo do ensino regular que, aliás, também por si, e à exceção dos primeiros anos, não se devia pautar por esta pedagogia de que tende a resultar gente com extrema dificuldade em adaptar-se ao mundo real.

Em Portugal, infelizmente, a esmagadora maioria das empresas não tem dimensão nem conhecimentos para abraçar a formação profissional restando, quando existam, associações profissionais ou patronais que tomem conta da tarefa.

Num ou noutro caso deve haver fiscalização mas essa tarefa tem que ser redesenhada para evitar que (presente estado de coisas) se ofereçam canudos em vez de se distribuírem certificados em função de provas significativamente prestadas.

Já foi longamente abordado o binómio conhecimentos reais versus conhecimentos fictícios, os conhecimentos de que um aluno não pode prescindir para avançar na aprendizagem versus conhecimentos que um documento garante que ele tem. Nada, mas nada de significativamente positivo poderá ter lugar se uma coisa não bater certa com a outra e hoje nada bate certo.

O envio de alunos que praticamente nada sabem a uma instituição (seja de que tipo for), para que de lá saiam com um certificado numa matéria algo complexa é, por um lado, de uma total inutilidade, por outro, deixa a instituição de formação perante a honesta necessidade de reprovar sistematicamente muito próximo da totalidade da turma. Mais vale apontar abaixo e corrigir o tiro se o aluno demonstrar que vale do que encravar todo o processo instalando numa sala de aula quem se espera venha a subir mas que, honestamente, necessite, mais que ninguém, de descer para adquirir o que lhe falta em demasia.

A formação profissional não pode ser um local para onde se vai aprender a brincar com maquinaria “gira”. Maquinaria custa dinheiro e espera-se dela o retorno que permita adquirir a seguinte, mais avançada. Maquinaria mal aproveitada é dinheiro deitado à rua e que não será redistribuído na massa salarial da empresa podendo chegar-se ao ponto de se instalarem salários em atraso e o fecho da empresa com respetivos despedimentos.

A formação profissional não pode ser o caixote de lixo para onde se atiram alunos sem qualquer tipo de critério. A formação profissional é a seiva de uma empresa naturalmente dirigida (espera-se) por quem tenha uma sólida formação teórica e prática avançadas, normalmente oriunda de universidades ou estabelecimentos equivalentes. Também aqui há fortes lacunas, mas é assunto que não cabe aqui exactamente.

A exigência tem que estar permanentemente em cima da mesa e o vencer das respetivas dificuldades deve ser a coluna vertebral de quem frequenta qualquer tipo de ensino. Presentemente o desafio parece ser o de encontrar uma brecha para furar sem se aprender, ou encontrar um centro de formação onde, pelas circunstâncias que lhe norteiam ditatorialmente as linhas com que se coze, se vai passando porque ... tem que ser.

O caminho tem ainda que ser aberto e depois trilhado. Hoje habitamos, professores e alunos, um lamaçal.

Imaginemos uma sala de aula em que metade da turma veste as calças abaixo do traseiro, 30% insiste em mater o capuz na cabeça (escondendo o auricular onde a música está a “bombar”), 20% mantém o chapéu, 20% (alunas) traz calças rotas especialmente nas virilhas e um decote que se avizinha do umbigo, 30% faz-se acompanhar um jornal desportivo que tenta ler na aula ou, no mínimo, usar como referência para milhentas vezes tentar entabular “troca de opinião” com um ou mais colegas. Que fazer?

Avisar, avisar, e, finalmente, expulsar da sala de aula. Os que lá ficam podem aprender algo, mas os que saíram, em não pequeno número (a escolha entre não poder conversar na sala e poder conversar lá fora não lhes deixa dúvida quanto à mais vantajosa) apresentar-se-ão, na próxima aula, como “vítimas” de não terem podido aprender a matéria da última aula.

Com o passar do tempo vêm as péssimas notas e a necessidade de planos de “recuperação” que o professor tem que aturar enquanto o aluno lhe apetecer. Que se pretende com isto? Por que tem o prevaricador de ser bafejado com milhentas oportunidades que, sistematicamente, substituem a anterior que ele desprezou? Porque se premeia a incompetência? Que sinal se transmite, explicita ou implicitamente, ao resto da turma? Porque limita o Estado a formação de turmas muito grandes que permitam a filtragem expedita, e em poucos meses, do trigo do joio e a continuação, em turma, de um mínimo de reais alunos que permitam a sustentabilidade económica da turma? Dir-se-á que 40 alunos é impossível tanto mais que “até” podem ser todos bons! Muito bem. Se forem todos bons haverá lugar à posterior formação de duas turmas. Mas, entretanto, alguém se convence que o cenário em que um grupo de 40 promitentes alunos resulta em, de facto, alunos? No presente estado de coisas duvido que num grupo de 50 se aproveitem mais de 15. A não ser, evidentemente, que já esteja sedimentada a noção de que a formação é para valer e saltará fora, sem apelo nem agravo, quem resolver usar a aula para assuntos de bola, moda, cueca, virilha, disk-jockey, gansteria, etc, etc.

Há que afixar em todas as salas de formação profissional normas equivalentes àquelas que eles têm que cumprir quando, por exemplo, entram numa empresa e em estágio. Se na obra ou na fábrica não entra ninguém de capuz, de virilha ventilada, de chinelos de enfiar no dedo, de auriculares, em cuecas, etc, etc, porque há de a antecâmara da empresa aturar todo o tipo de variantes daquilo a que se tem chamado “afirmações de cultura própria”? Mas, qual cultura?

Texto escrito por Rio D`Oiro e Ramiro Marques

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